É fato que a velocidade do mundo digital apenas acelera. A sensação de que o tempo passa mais rápido nos dias atuais é real do ponto de vista subjetivo. O tempo é mais rápido simplesmente porque o contexto percebido é mais intenso, amplo e complexo do que a capacidade cognitiva humana em processar tantas informações desestruturadas.
À medida em que a tecnologia avança mais rápido em algoritmos inteligentes e automação digital, em que a inteligência artificial torna-se mais ubíqua e imperceptível, em que quantidades gigantescas de dados são geradas e integradas, a capacidade biológica do cérebro humano torna-se crescentemente obsoleta nestas sinapses.
A visão apocalíptica afirmaria que a humanidade está com seus dias contados. Particularmente, ainda acredito que a natureza normalmente não dá saltos, sendo mais lenta que a tecnologia, porém consistente ao longo do tempo em seu processo orgânico de adaptação ao mesmo tempo que preserva estabilidade do organismo vivo. A humanidade, na minha percepção, vencerá ao longo da jornada, mas é certo que não na atual configuração.
E qual será o destino das organizações na singularidade?
Já é lugar comum afirmar que as empresas precisam ser cada vez mais inovadoras, conectadas em ecossistemas, flexíveis em seus modelos de negócios, ágeis em suas atuações.
Entretanto, o fenômeno psicossocial inerente ao processo de formação cultural de uma empresa não ocorre na mesma velocidade de um flash. Em meu mais recente livro, ANTHESIS, tive a oportunidade de apresentar os mais diversos aspectos do desenvolvimento da essência organizacional - desde seu início até o eventual ocaso, desde sua cristalização até a eventual transformação. Argumento que a dinâmica organizacional é necessariamente uma interação política e semiótica coordenada por lideranças dominantes para assegurar coesão grupal em torno de um propósito compartilhado.
É verdade que o processo de desenvolvimento organizacional não é tão lento quanto o processo de evolução da natureza e, muito possivelmente, quanto o processo de mudança de paradigmas governamentais e institucionais. Fácil comparar a velocidade mais acelerada de uma empresa de fast-food em relação a um bioma amazônico ou aos paradigmas cristãos - comparam-se anos/décadas com milênios ou séculos.
Por outro lado, este mesmo processo de desenvolvimento organizacional não é tão rápido quanto os ciclos de transformação direcionados por tecnologia e ciência, nem quanto os ciclos efêmeros da moda. Aqui reside, portanto, o real desafio das organizações.
Como assegurar integridade da cultura de uma empresa diante de tanta volatilidade?
A cultura busca sua integridade na estabilidade do organismo interno, protegendo-o das dinâmicas externas do ambiente e, ao mesmo tempo, assegurando permeabilidade do organismo por meio de sensores e decodificadores destas dinâmicas externas. A cultura organizacional de um grupo trata justamente do jeito de ser, pensar e fazer coisas destas pessoas reunidas em prol de objetivos comuns e princípios compartilhados.
A cultura organizacional - e na sua própria extrapolação, a cultura social - é um fenômeno essencialmente humano, nada tecnológico. Reside em interações sociais, sentimentos humanos, sinapses cerebrais. Não é passível de automação por algoritmos em nuvem, nem está tão suscetível a modismos de estação.
O desafio imperativo parece estar justamente nesta dicotomia entre a lenta dinâmica psicossocial da cultua organizacional e a rapidez fluida dos contextos digitais. O organismo social nunca alcançará a velocidade digital, assim como a natureza nunca alcançou a velocidade organizacional. Natureza e organizações estão ambas sujeitas a movimentos pendulares e cíclicos, nunca em perfeito equilíbrio estático, mas incapazes de acelerarem indefinidamente sua adaptabilidade a choques externos. Há limites na velocidade de adaptação do organismo interno a choques externos - e quando tal limite é constantemente superado, a organização perde tenacidade, comprometendo sua própria sobrevivência a longo prazo.
Temos, assim, os paradoxos da cultura no mundo digital:
1 Integridade versus flexibilidade
2 Consistência versus agilidade
3 Paradigmas versus abertura
4 Institucional versus efemeridade
5 Coordenação versus complexidade
A reflexão crítica a ser feita no âmbito de acionistas, conselheiros e gestores parece ser justamente sobre estes paradoxos culturais digitais.
É certo que a humanidade já presenciou outros vários momentos de turbulências sociais e revoluções científicas-tecnológicas. Imaginemos, por exemplo, o impacto das revoluções industriais no surgimento dos grandes empreendimentos entre os séculos XVIII e XX. Inúmeras mudanças nos paradigmas empresariais ocorreram na esteira destes acontecimentos, e continuam ocorrendo à luz de contínuas alterações do contexto externo.
Porém, aqui estamos lidando com intensidade e amplitude do fenômeno. E sob tal ótica, parece ser realmente incrível o que estamos vivenciando no novo contexto digital. Portanto, o constructo organizacional do século XX está em xeque.
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Daniel Augusto Motta, PhD, MSc
Fundador e CEO BMI Blue Management Institute