O futuro do trabalho tem nos trazido reflexões importantes sobre contradições históricas, possibilidades inéditas e questionamentos incômodos. As empresas e as lideranças estão ficando recorrentemente em xeque diante das incoerências escancaradas e inconsistências descortinadas. Novas agendas contra velhos paradigmas. Novos horizontes para modelos tradicionais. Novos valores diante de contextos ainda não vivenciados.
Dentre tantas temáticas, o modelo de trabalho flexível tem sido um dos temas mais destacados na agenda executiva. Para muitos, tornou-se uma questão primordial na atração e retenção de talentos, para outros ainda um paradigma difícil de ser digerido. O modelo tem ganhado tração como algo aspiracional inegociável de todos aqueles talentos que se diferenciam no mercado de trabalho. É possível afirmar, inclusive, que a flexibilidade tem se posicionado como uma nova nuance de desigualdade social ao privilegiar, principalmente, trabalhadores mais qualificados da era do conhecimento em detrimento de operários inevitavelmente associados a plantas produtivas, lojas, modais logísticos e afins.
Questionar hoje em dia o trabalho flexível está se tornando um tabu.
Algo anacrônico nos tempos atuais em que o contemporâneo é ser flex em tudo, inclusive nos mapas mentais e nas interações sociais. Flexibilidade é o tom central do momento.
Naturalmente, como tudo em nossas vidas, temos aspectos favoráveis e contrários ao modelo de trabalho híbrido. Não poderia ser diferente. Mesmo que seja inconveniente...
É um tema vasto e ainda em processo de amadurecimento. Há muita pista pela frente.
Aqui gostaria de me dedicar a um aspecto que, nas minhas análises, tem sido pouco mencionado, muitas vezes até negligenciado: a segurança da informação.
Vejamos algumas principais áreas de risco de segurança e compliance:
• É bucólico imaginar papai ou mamãe trabalhando diariamente da sala de jantar, com as crianças e adolescentes ao redor. Mas como blindar os acessos desses familiares aos áudios em sucessivas conferências virtuais? Quase impossível evitar que as conversas sejam ouvidas de tempos em tempos por indivíduos (inclusive por funcionários domésticos) não comprometidos com os termos de confidencialidade e não concorrência. Como serão tratados juridicamente os vazamentos por crianças na escola?• É produtivo e eficiente o uso de conferências virtuais para reuniões de time e também para reuniões de feedback individual. Mas como evitar que as sessões não estejam sendo gravadas pelo interlocutor? Como assegurar assertividade, transparência e abertura diante do risco de gravações clandestinas que possam ser, inclusive, usadas em seus trechos parciais fora de contexto para constranger e difamar?
• É interessante o aporte financeiro que algumas empresas têm oferecido aos seus colaboradores em home office para manutenção de infraestrutura e conectividade. Mas como assegurar mecanismos de segurança da informação nas milhares de redes domésticas? Fora dos firewalls corporativos, milhões de computadores pessoais estão hoje mais vulneráveis a ataques cibernéticos realizados diretamente contra os lares.
• É sempre um desafio compatibilizar transparência no engajamento de todos com os rumos do negócio e sigilo absoluto em relação a segredos estratégicos (por exemplo, fusões e aquisições, pesquisa e desenvolvimento, desempenho financeiro, entre outros). Como assegurar confidencialidade no trato de informações confidenciais anteriormente tratadas em salas seguras no atual contexto residencial onde anotações, relatórios impressos e as próprias telas eletrônicas estão vulneráveis à curiosidade dos familiares?
• É fundamental manter continuamente conversas francas e abertas entre lideranças e equipes, com criação de um espaço de confiança e influência para que temas sensíveis possam vir à tona e, assim, serem tratados com maturidade por todos no grupo. Mas como criar esse ambiente no contexto virtual onde alguns se recusam em abrir suas câmeras, com inúmeras justificativas difíceis de sofrerem objeções aceitáveis?
• É importante controlar as jornadas de trabalho em relações sujeitas a acordos sindicais e arcabouços legais. Mas como controlar efetivamente horários de trabalho em um contexto residencial com inúmeras interrupções e multiplicidade de atividades concomitantes que, de um lado, fragmentam as agendas e, de outro lado, esticam as jornadas além dos intervalos mais convencionais no ambiente presencial? Como assegurar que as pessoas estão realmente cumprindo suas jornadas de trabalho compromissadas, sem alocação de tempo para outras atividades (quiça, atividades remuneradas por terceiros)?
• É crucial monitorar a produtividade e a qualidade dos trabalhos desempenhados pelos indivíduos e pelos grupos. No ambiente presencial, foram desenvolvidas inúmeras ferramentas e vários rituais de gestão para execução desse monitoramento. Mas como implementar controles de produtividade e qualidade no ambiente virtual? E como evitar que os materiais produzidos não sejam copiados de algum modo para serem compartilhados com terceiros?
Esses são alguns dos vários desafios operacionais de segurança e compliance no paradigma de trabalho híbrido ou residencial. Além dos cenários mirabolantes de câmeras de vigilância e robôs inteligentes monitorando tudo e todos, as reflexões mais pragmáticas devem girar em torno das condições de contorno aceitáveis para a vivência desse novo modelo.
Parece ser razoável afirmar que o modelo de trabalho flexível está se tornando um novo paradigma. Mas estamos ainda longe de respostas robustas para tantos desafios em aberto.
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Daniel Augusto Motta, PhD, MSc
Fundador e CEO BMI Blue Management Institute