Tecidos sociais requerem tempo para serem construídos. Relacionamentos duradouros ganham consistência e cumplicidade à medida que sobrevivem a conflitos, perdas e crises tanto quanto celebram conquistas coletivas e mudanças para patamares superiores.
O orgulho de pertencer é algo bastante abstrato para ser encapsulado em pílulas prescritas. Afinal sentir-se parte de um grupo é tão intrínseco à condição humana quanto a busca por status social distintivo que nos torne únicos, mesmo inseridos na coletividade.
Sentimento de pertencimento é também um conceito dinâmico ao longo do tempo e absolutamente situacional, a depender de questões pessoais e sociais. Já houve um tempo em que organizações proporcionavam tal acolhimento de modo autocrático e paternalista, praticamente sufocando a individualidade em prol da conformidade grupal. Indivíduos eram, então, parte de uma engrenagem muito maior mantida pelas gaiolas de ferro, alheios à visão sistêmica do processo produtivo, justamente pela especialização exacerbada e fomentada pela crescente busca por aumento de produtividade. O orgulho de pertencer ficava, assim, diretamente associado à concepção de ser parte de algo incrivelmente gigantesco, admirado e infalível. Ainda vivenciamos tais modelos tradicionais nos tempos contemporâneos.
Mas a contemporaneidade também nos convida a desafiar paradigmas tradicionais. Não seria diferente com os modelos organizacionais. A erosão dos bastiões institucionais do século XX rompeu com a lógica unilateral hierárquica em prol de algo mais fluido e horizontal. A premissa subliminar desta mudança tem sido justamente trazer velocidade e flexibilidade para o sistema. Posicionou-se todo o legado como infraestrutura no novo paradigma de APIs e APPs. Ágil, simples, efêmero. Os esquadrões impetuosos espalhados pelo corpo organizacional recriaram o contexto de trabalho como um microcosmo conectado a um universo mais difuso. O orgulho de pertencer passou a ser conectado também com entregas ágeis e operacionais, provavelmente com feedbacks mais óbvios e imediatos sobre o impacto do labor em algo concreto e visível, mesmo que restrito. Apenas a alienação em relação ao todo permanece como realidade à medida que as células funcionam como parte de um organismo ainda pouco inteligível.
A ênfase em propósitos inspiradores tem sido o tom dos tempos contemporâneos. Não mais pragmáticos e autocentrados em missões de crescimento e domínio. Mais inclusivos e abstratos em missões que engajam diferentes stakeholders em nobres jornadas de bem-estar. O orgulho de pertencer a algo que extrapola a própria organização é hoje essencial para o engajamento de colaboradores em torno de um projeto organizacional.
Tal digressão sobre a própria evolução das organizações - naturalmente aqui me refiro a grandes e médias empresas - é também preâmbulo para as reflexões sobre o impacto da pandemia sobre a construção destes tecidos sociais. O confinamento prolongado é uma ameaça real à consistência destes vínculos pessoais e sociais. Certamente mais desafiador para as gerações mais velhas, mas também relevante para a garotada recentemente inserida no mundo corporativo.
O trabalho remoto como alternativa é certamente um ganho para o orgulho de pertencer, à medida que possibilita diferentes dinâmicas pessoais e familiares em situações específicas - desde o rodízio urbano do veículo até a saída mais cedo para feriados prolongados.
O trabalho remoto como paradigma pode trazer desconexão com o objeto social coletivo. Neste caso o orgulho de pertencer esvai-se pelo estranhamento causado pela distância. Perde-se conformidade social, perde-se cumplicidade e camaradagem, perde-se vínculo.
Os tecidos sociais precisam ser reforçados com urgência.
Mind the Gap!
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Daniel Augusto Motta, PhD, MSc
Fundador e CEO BMI Blue Management Institute