Refletir sobre o futuro do trabalho envolve a própria palavra "trabalho".
Sua origem relacionada a esforço e a sacrifício - muitas vezes sob regimes de vassalagem e de escravidão - alienou o indivíduo do seu ofício. Seria algo inexorável na busca pela sustentação financeira familiar, mas longe de ser um espaço de realização e de conexão. A imagem empreendedora do pequeno artesão ou comerciante, consolidou-se como algo menor quando comparado com a mítica imagem aristocrática dos donos das terras e dos capitais. A nobreza, o poder e a própria plenitude humana associaram-se mais aos acionistas em detrimento dos trabalhadores e pequenos empreendedores.
Séculos de evolução dos arranjos de trabalho multiplicaram possibilidades. Diferentes arranjos de trabalho vêm sendo vivenciados, muitos destes distantes das precárias condições encontradas em tempos de outrora. Longe de uma abordagem romântica ingênua, aqui me refiro à própria transformação do ambiente de trabalho por conta de dois grandes fenômenos globais mais recentes: transição de ética social e mudança de paradigma tecnológico.
De um lado, a transição de ética social alterou o ethos das relações de trabalho anteriormente pautadas por lealdade, estabilidade e disciplina para conexão, experimentação e expressão. Do outro lado, a mudança de paradigma tecnológico também trouxe para o ambiente de trabalho a busca por ecossistemas interdependentes, agilidade interativa e autonomia celular. A combinação dos dois fenômenos tem causado uma implosão das estruturas corporativas mais convencionais e tem desafiado práticas trabalhistas seculares.
A recente crise pandêmica e a aceleração digital têm também influenciado bastante na transformação dos ambientes de trabalho - desde a alteração das propostas de valor para colaboradores escassos, até a própria utilização de inteligência artificial de modo mais corriqueiro em vários processos e sistemas.
Com o objetivo de ilustrar as atuais arenas e os relevantes dilemas, podemos organizar o ambiente de trabalho em três dimensões complementares:
. Configuração
. Relações
. Desenho
A Configuração do ambiente de trabalho pode variar de várias formas. Em especial, observam-se quatro tipologias mais frequentes: On-Stage (integralmente alocação no escritório), Home-Based (integralmente alocação em residência), Hybrid (parcial alocação entre escritório e residência) e Field (alocação integral em campo - por exemplo, vendas ou fábrica).
As Relações de trabalho também podem variar bastante. Aqui destacam-se os modelos Uniform (vínculo exclusivo único), Flex (vínculo parcial), Orbital (trânsito contínuo em múltiplas iniciativas ao redor da organização) e Critical Mission (alocação restrita para resolução de problemáticas específicas).
O Desenho organizacional, naturalmente, também pode assumir múltiplas formas. Dentre algumas possibilidades, destacam-se Functional (organização por funções especialistas), Multifunctional (combinação de múltiplas funções), Matrix (cruzamento de responsabilidades por funções e por segmentos/negócios/produtos) e Network (organizações em células).
Dois comentários rápidos:
Em primeiro lugar, são doze possibilidades distribuídas nas três dimensões que resultam em 64 (!!) combinações possíveis em arranjos de trabalho.
Em segundo lugar, uma mesma organização pode conviver com múltiplos arranjos de modo dinâmico ao longo do tempo.
Redundante afirmar que cada um dos arranjos acima - formados pela combinação de uma das respectivas possibilidades em cada uma das três dimensões - resulta em uma arena específica, com seus dilemas específicos. Assim, refletir sobre liderança, cultura e equipes de alto desempenho pode ser algo completamente distinto em função do arranjo em particular.
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Daniel Augusto Motta, PhD, MSc
Fundador e CEO BMI Blue Management Institute