Liderança e Cultura são faces da mesma moeda. A moeda organizacional.
O sociólogo Max Weber manteve olhar atento sobre o funcionamento das grandes empresas, criando o termo burocracia como o meio de coordenação racional das atividades produtivas e administrativas estruturado em cinco aspectos: Sistema hierárquico da autoridade; Regras e procedimentos formais; Divisão clara do trabalho; Impessoalidade; e Seleção formal.
A coordenação burocrática, como marca distintiva da era moderna, organizava as atividades de acordo com os princípios racionais, mantinha escritórios classificados em uma ordem hierárquica, executava suas operações por regras impessoais, mantinha gestores titulares regidos pela alocação metódica de áreas de responsabilidade e esferas de deveres delimitadas, selecionava e promovia funcionários de acordo com qualificações especializadas. Esse “tipo ideal” seria capaz de atuar em larga escala.
Tal nível absoluto de racionalização, muito adequado ao ímpeto capitalista, também resultava em despersonalização das relações profissionais. “O desempenho de cada trabalhador individual é medido matematicamente, cada homem se torna uma pequena engrenagem na máquina e, consciente disso, a única preocupação é se ele pode se tornar uma engrenagem maior”. Tal qual o fenômeno da alienação do trabalho em Karl Marx, a racionalização-burocratização weberiana também indicava um processo de dominação sem precedentes históricos em favor das grandes empresas. Porém, ao contrário da visão utópica marxista em prol de uma futura emancipação humana em relação ao trabalho, Weber criou a expressão “gaiola de ferro” justamente para ressaltar que a humanidade jamais se livraria dessa lógica racional-burocrática, tão eficaz e eficiente, mas também tão cruel e opressora.
No contexto de desenvolvimento das culturas, a perspectiva weberiana é particularmente instrumental por distinguir formas de legitimidade da autoridade: tradicional-sagrada, racional legal e carismática. De acordo com essa visão, o impacto dessa mudança no conceito de autoridade da era moderna para racional-legal ampliou o espaço para a racionalização das funções e das ações.
Assim, fronteiras hierárquicas e funcionais das organizações são modeladas ao longo do tempo por um processo sociopolítico-semiótico, onde a narrativa da liderança também precisa do respaldo racional-emocional-social proporcionado pelo sistema hierárquico da autoridade e pelas regras e procedimentos formais.
Como já descrevi, a autoridade weberiana pode ter natureza tradicional-sagrada (como ocorre nas instituições religiosas, monarquias e, até mesmo, em grupos familiares), racional-legal (como é comum nas empresas e governos) e carismática (notadamente em partidos políticos, mas também em empresas). Muitos psicólogos têm abordado a força desse carisma em seus arquétipos de liderança e influência, em um debate interminável sobre se tratar de um traço nato ou adquirido por pessoas.
No contexto empresarial voltado para o desenvolvimento da cultura, o papel das lideranças é crítico e, certamente, ultrapassa as possibilidades do carisma. É claro que lideranças carismáticas têm notória capacidade de mobilização de grupos. Mesmo assim, abordarei o exercício da liderança sob a ótica racional-legal, sem desconsiderar naturalmente todo seu impacto no conjunto semiótico que expressa valores, crenças, normas e pressupostos básicos de um grupo social.
Na etapa inicial de formação cultural, após as lideranças iniciais compartilharem seus próprios repertórios sociais, após o grupo internalizar e experimentar tal repertório na prática, após líderes e liderados acertarem e falharem na aplicação desses princípios, finalmente o grupo legitima um certo conjunto refinado de valores, crenças e pensamentos como suas próprias referências sociais.
Como a cultura se forma como um processo político-simbólico em uma dinâmica interativa permanente de contestação, transformação e dominação, caso as lideranças consigam preservar seu poder, continuarão a influenciar a cultura. Assim, ao longo do processo de desenvolvimento cultural, as lideranças assumem papel fundamental no uso de mecanismos primários e secundários que podem assegurar consistência dessa evolução.
Líderes, conscientes ou não, utilizam poderosos mecanismos de fixação da cultura:
. Foco de atenção, mensuração e controle por parte das lideranças;
. Modo de reagir das lideranças diante de crises e eventos críticos;
. Comportamento natural dos líderes em diferentes interações com equipes;
. Critérios adotados na definição de reconhecimentos e status social;
. Critérios adotados na seleção, promoção, demissão e aposentadoria.
Além disso, líderes utilizam também mecanismos secundários de articulação e reforço:
. Design organizacional;
. Políticas e procedimentos internos;
. Ambiente físico;
. Conjunto de lendas e mitos;
. Artefatos simbólicos;
. Códigos formais de conduta empresarial;
. Manifestos institucionais.
Lideranças são reflexos de suas Culturas e vice-versa.
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Daniel Augusto Motta, PhD, MSc
Fundador e CEO BMI Blue Management Institute